Por Jefferson Acácio
Por agora dispenso os julgamentos prévios de quem lê esse gorfo azedo
Não me façam sensacionalismo enquanto perfuro meu próprio peito
Removendo cirurgicamente com bisturis uma mancha cinzenta
Que veio a tinturar esse coração hipócrita de poeta burguês
Eu sou um desses seres insuportáveis e infames igual à vosmecês.
Eu sou um desses que condenam condutas pútridas alheias
Enquanto assistem do alto do apartamento as enfermidades desse mundo doentio
E que antes de deleitar sobre um colchão reconflex pensa sobre as desigualdades
Então simplesmente movido de inspiração na desgraça do próximo redige uma poesia
Tantos Judas por aí meu Deus, e eu ainda ouço e ouso chamar pelo Teu Nome
E depois de escrito ainda surgem os elogios condizentes
“Nossa quanta sensibilidade!” “Lindo o seu desabafo” “Que bela poesia”
Por favor, sem julgamentos, não façam de mim mais hipócrita do que sou
Deixe-me cuspir as convenções sociais, as éticas massificadoras e pacificadoras
Tem um enfermo dentro de mim que precisa de água, comida, amor e ideais
Não vou tratá-lo como um número de hospital computado nas estatísticas
Tem um enfermo dentro de mim contestado e deteriorizado de estigmatizações sociais
O vírus da subalternização dos processos hegemônicos da sociedade organizada em massa
Esse enfermo que vos escreve está iludido pelo sentimento de que faz parte
De uma sociedade secreta e restrita de pensadores, humanos sensíveis...
Preciso remoer e remover essa cartilagem cinzenta grudada na minha artéria
Inventando sentimentos tenros e sinceros de compaixão
Que compaixão coisa nenhuma! É covardia! É hipocrisia!
Uma vez ouvi uma prostituta com cheiro de gozo, de bosta, de chão, de lama...
Que disse em voz alta a uma senhora que se benzeu em sua intenção
Como se estivesse prostrada diante de uma entidade demoníaca ou uma inimiga publica
Então a “puta da alma vendida ao diabo” bradou “Venha benzer a minha fome, o meu frio, a minha dor de cheirar o corpo dos amigos que morrem todo dia nesse chão onde você pisa e cospe sua velha recalcada. Venha cuspir aqui na minha...” (digamos assim, “venha cuspir aqui na minha vergonha ou na minha genitália”).
Ah, puta, o recado pareceu ser uma indireta pra mim que não se benzeu, mas olhou com nojo
Agora, é um nojo do enfermo, lazarento, torpe, sujeito adoecido dentro de mim.
E do que adiantaria correr pra casa ou para uma igreja mais próxima e rezar?
Reza é falatório para não ouvir. Todo mundo quer falar, acusar, apontar e julgar. Há até cursos de oratória, mas nunca vi anunciado por aí algum curso de escutatória.
Além de tudo o enfermo acinzentado e hospitalizado dentro de mim é cego
Cheio de filosofias que lhe permite ver as coisas (árvores, prévios, flores, borboletas...)
Imagens que passam pelas janelas abertas e caem num mar de idéias que desfragmentam seus referenciais. Ficam outras coisas.
Estou farto desse poeta de muito falatório, filosofia, poesias, desabafos...
De poeta quero ser mergulhador, pois dentro do oceano faz-se silêncio
E assim posso exorcizar esse enfermo hipodérmico que se manifesta em forma de poeta hipócrita
Pode ir, me deixe aqui com minhas chagas, meus leves infortúnios, minha hipocrisia
Eu me entendo com minha própria massa acinzentada
A qualquer momento degusto da “Bala mágica” ou do “emplasto” e tudo passa
Você não precisa dizer nada, se abrir a boca pode contrair dessa epidemia
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