quarta-feira, 30 de junho de 2010

Canção particular

Por Jefferson Acácio

Há uma canção que não requer músicos
Uma canção que só nós mesmos ouvimos
Uma melodia íntima e singela, silenciosamente nossa!
Vibrante e incrivelmente poderosa
A canção do nosso viver...
É uma canção que exige do silêncio e da concentração


Observe ao fechar os olhos,
O som da engrenagem do pensamento,
A respiração em forma de percussão em diferentes ritmos
Obedeça a ordem natural dessa canção
Uma cadência repetitiva incessante
Assustada... Serena... Contida...

Imagine por onde seus pés caminharam ontem
Imagine que os pés tivessem olhos de gato
Olhe à altura do chão cabisbaixo como um cão farejador
Explore a beleza de cada imagem minimalista
As poças d’água e os ruídos do cotidiano
Pois é, tudo o que está fora e dentro é a melodia do viver

Linda canção
Que estão destruindo com partituras esquisitas
Linda canção
Da pena de não mais ouvi-la



Emparedado

Por Jefferson Acácio


De frente pra parede
Azulejos amarelados ajustados
E eu ajoelhado em penitência
O chão molhado de pecado

Do corpo escorre o suor pro piso esverdeado
Na ponta do nariz encontro-me com o limite
O muro na minha testa se faz de fronteira
Sinto um abraço desse muro de tinta azul e madeira

Uma força de cimento e areia envolvendo meu corpo
Aqui me conforto das convenções sociais
Dos desesperos e desilusões de cada dia
Esta casa, esta parede, este chão amigo... minha covardia

Emparedado caminho pelas ruas sem nome
Eu de frente pra porta fechada
Reflexo de um espelho no próprio espelho
Um rosto estranho desgastado, com fome

Lá fora uma euforia de futebol e carnaval
A janela aberta e eu preso no quarto
Sinto a culpa social imobilizar minha fuga
Aqui dentro um velório descomunal

A pia e a água no rosto desculpam-se por mim
Somente para amenizar os arrependimentos
Quanta história e progressos jogados pelo ralo
Sigo as sobras na correnteza da descarga, lindo estrago!

Esqueço as horas no silêncio desperdiçado
Lágrimas secas, vidro embaçado
A torneira pingando e o chuveiro ligado
A porta trancada por dentro e o choro bloqueado

Saliva entalada na garganta
Meu país, onde está a minha liberdade?
Santo Cristo Redentor, onde está a verdadeira verdade?
Meus pais, onde está a nossa felicidade?

Palavra Contaminação

Por Jefferson Acácio


Torpes e dilacerados mortais
É de morte, é de Guerra
Esse chão que tu pisa tem pedra suja de sangue
Tudo se enfeita e se modela de mentira
Tu mesmo se rompe e se refaz

Lamaçais e chuvas de vírus
Jorra pra todo lado veneno e perigo
Essa voz que tu ouve é um velho amigo
Olhos castigados de luxúrias
Corpo batizado de prazeres e lamúrias

Hoje é o dia de você olhar pro alto
Uma gota de sangue e aos poucos um choro cai do céu
Na sua fronte, nos seus lábios
Molhando seu corpo inteiro num velório de verdade
Não tem raios, terremotos, nada além de uma chuva

Chove verdades que você não conhecia
Chove verdades que você ignorava
Chove uma contaminação de verdades
Chove Palavra!
Chove Poesia!

Noites de Silêncios

Por Jefferson Acácio

Já denunciei o espelho
Que revive fantasmas
Já acusei as paredes
Que escondem o real de mim

Mas nunca me julguei
Bem ou mal, não pensei
Afinal a verdade do homem
Eu sei - "É a contradição!"

Já me fizeram marcas
Nenhuma delas sangraram
Já me machuquei com flores
Já repeti a dose...

Doze...Treze...Outra dose
E olha eu refletido ali no copo
O espelho me persegue
Eu persigo o espelho

Perseguições cegas, inúteis
Procuro o "eu" no outro
E só o encontro no silêncio
Nas noites nuas, paredes descoloridas e chão frio

Aventuras pelo desconhecido

Por Jefferson Acácio

De repente eu levantei da minha cama com muita disposição. Era uma força tremenda que se manifestava dentro de mim. Eu podia senti-la como se fossem formigas pelo meu corpo. Ao mesmo tempo era uma sensação forte e também era leve. Sim, porque eu não sentia um peso sequer, mais sentia que era forte.

Na minha pele havia essa reação estranha que caminhava como formigas mesmo, acho que transportando a energia da cabeça aos pés. E por dentro, era como se eu tivesse inspirado uma proporção maior de oxigênio. Sentia meus pulmões trabalhando mais rápido pra controlar os impulsos.

E então eu levantei da cama com esse inexplicável poder, “prefiro chamar assim”. Ainda liguei o celular para ver as horas, eram exatamente cinco da madrugada. Abri a porta do meu quarto devagar, caminhei até a sala e por curiosidade entrei nos quartos para vigiar se todos dormiam bem.

Vagarosamente sai da casa e, como um leão, eu observei se algum perigo os ameaçaria. Visto que estavam em segurança, entrei guardando meu urgido no peito carregado de ar. Fui à cozinha, pois havia em mim uma fome de boi, e meu abdômen se contraia inteiro. Comi o que havia na geladeira, e bebi do vinho que guardavam na adega da casa. Então voltei à sala, abri cuidadosamente a janela e subi.

Em frente à janela havia o muro da minha casa, pois eu cheguei ao muro levemente num salto. Olhei para frente e bem longe, com olhos de águia, avistei o mar e as nuvens estavam lindas. Um céu em tons de azul, laranja e vermelho se emaranhavam no despertar do sol. Enchi novamente meus pulmões daquela energia firme e constante e então pensei:

- EU POSSO VOAR!

Foi um levantar de vôo tão seguro de mim, sem asas nem nada. Somente aquela energia que girava ao meu redor, desta vez dos pés a cabeça. A energia estava mais concentrada nos pés, para me dar o impulso do vôo. Voei e lá de cima tudo ia ficando distante. Eu via a cidade do mesmo jeitinho que vemos no cartão postal, tão pequena que podia se vê de um só olho. Uma brisa leve no céu, que me soprava do oeste. Acho que era o vento de Zéfiro.

O gosto de voar era tão grande em mim, que me parecia não haver mais o chão. Enfrentei Bóreas, Eurus e Nótus, afinal tinha que haver os grandes ventos. Assim também os pormenores ventos Kaikias, Apeliotes, Lips e Síroco sopravam em mim. Fiz então um pouso em Constantinopla, cidade mais importante da Trácia. Descansaria por lá para seguir jornada ao Olímpo. Mas ao chegar à cidade não sabia que estava em pé de guerra.

Meu primeiro confronto foi com o deus do caos. Toda aquela desordem e confusão que se gerava na terra de Trácia. Eis que surgia então, em meio à multidão, o deus Eros, filho de Afrofite. E lutando contra o Caos, com o coração flechado por Eros, me vi numa guerra entre a razão e a emoção.

Mas logo, aprendi a desenvolver o equilíbrio e o poder da ordem. Não temi ao caos, nem me entreguei aos devaneios da paixão. Aquela energia era meu combustível de vida, para conquistar novas terras. Vivi mais essa aventura e voei do Olímpo, como Hercules fazia, sempre em busca de novas aventuras promovidas pelo desconhecido.

Ambiente de Guerra

Por Jefferson Acácio






Nosso corpo é constante campo de batalha
Arcos, flechas, espadas e escudos.
Somos primatas prematuros incompletos e impuros
Medo, inocência, credulidade.
Tanto amor no peito acolhe também a maldade

Abraça-me com emergência
Venha para perturbar meu estado de sanidade
Enfrenta minha louca tempestade
Estou numa luta interna de querer você pela eternidade
Mas a ordem social indica que seja pela metade

Ambiente de guerra no peito caloroso
Cortes de beijos secos e tempestades vazias
Na garganta uma palavra morta
Assoalhos molhados, roupa macia, pele desidratada
Meus medos malcriados levam-me a sacristia

Que pena, tantos nomes perdidos na multidão
Nesse exército de fábulas nenhuma fada
Nenhuma paixão avassaladora
Somente a pacificação das vontades vestindo corpos esguios
Eu quero terrorismo de amor invadindo os meus territórios
Quero guerra do amor vencendo a minha carne

Alice

Por Jefferson Acácio

Conheci Alice
Vou com Alice
Não volto com Alice
Na fantasia me jogo com Alice
Iludir-se por amor não é tolice

Aprendi nos tempos de meninice
É bom ter um amor que me enfeitice
Vou correr, pular e cair na sandice
Se amar é uma ilusão, uma ceguice...
Prefiro ainda ser a própria ALICE!

quinta-feira, 3 de junho de 2010

* Insônia, Pânico e Silêncios

Por Jefferson Acácio

É um engano acreditar que as madrugas foram feitas para o silêncio e para o sono. A madrugada é para os oprimidos. Durante o dia é um congestionamento de pessoas e automóveis, uma poluição de sons de todas as origens. E tudo se expressa e faz ruído ao mesmo tempo, competindo até mesmo com o nosso próprio pensamento. Então chega finalmente a madrugada e... Preste bem atenção... Lá fora...

Uma sacola dançando na pista da Rua dos Aflitos. A sacola plástica é carregada pelo vento que bate nas janelas e portas convidando para assistir ao espetáculo. O vento agressivo parece não ter força para atirar longe a sacola que voa levemente e dança sozinha um ballet clássico no asfalto, na calçada e arrastando-se de baixo para cima, de cima para baixo nas paredes das casas do bairro.



As janelas de vidros sambando frouxas, e as portas rangendo com os sopros frios e juntas emprestam um ritmo incessante de suspense ao vôo da sacola. Tudo parece um delírio, mas é uma grande orquestra. A cadência contínua é incrementada com o remexer de plásticos, garrafas e latas. O ruído produzido parece ser de algum rato revirando os lixos domésticos. Ou talvez um rato vestido de trapos, coitados, eles buscam os nossos desperdícios. E dentro de casa, os ratos fazem uma festa particular, e correm maratonas nos quatro cantos, atrás e em cima do guarda roupa e na cozinha. Nada roubam, apenas esticam as patas, uma exima liberdade





Todos instintivamente querem se comunicar e eu querendo dormir. Enquanto eu me queixo da insônia prejudicial a minha mente, ouço barulhos de alguma festa que provavelmente encerrará com o nascer do dia. Num momento estou coberto dos pés a cabeça, depois estou girando na cama, sem cobertor, então me levanto, ando pelas dependências da casa escura, o chão e as paredes geladas. Insights, murmúrios, sussurros duvidosos do apartamento ao lado. Se eu atravessasse as paredes... Se eu flutuasse como a sacola lá fora... Tenho certeza que escreveria sobre tantas coisas que não vemos a essa hora.


Um gole de vinho e volto para o quarto com um copo d’água, sento-me na beira da cama, e olhando as horas, o relógio marcando 2h, repito comigo mesmo “O que estou fazendo a essa hora? Meu Deus, por que não dormi ainda? Esse sono que não chega... E tudo ainda se move, o dia não se esgota, tudo ainda se agita! A noite não dorme, eu não durmo, a noite passa e eu continuo”.

De onde vem esse sono que ainda não chegou? Em que estrada ele anda? Todos os dias se perde no caminho e só chega pela manhã me derrubando de vez. Meu Deus, se acaso ouves meus pensamentos, Tu que também não dormes, com o barulho de todos os planetas juntos, Senhor... Silencie tudo, silencie meus pensamentos, eu lhe peço. Já estou sufocando a caneta contra o papel em branco para fazê-la confessar até o último jato de tinta sobre tudo o que vejo, ouço e penso que parece não ter fim. Isso não é para mim. Não vivo somente para escrever, eu preciso de outros meios de sobreviver.

E o que faz o sol que demora tanto a chegar? Nos esqueceu visitando outras terras e nos deixou aqui sob a companhia da lua? Ela, a única que não diz nada, nem emite luz própria, mas fica de lá influenciando as marés e o cântico das matilhas. E esse pássaro da noite, que tanto grita? Coitado, também não consegue dormir.

Há outros escritores com insônia? Transiente, intermitente ou crônica, em qual estado estaria a minha? Essa agonia, essa angústia, esse estresse inconivente, essa ansiosidade desnecessária e essa expectativa à toa. Da vontade de cuspir tudo, porque parece estar tudo na própria garganta, ou no pulso ou no peito. E um gole d´água às 3h, mas eu gostaria mesmo era de mergulhar no silêncio aprisionado desse copo.

Já rabisquei tanto que não sei a ordem dos escritos no papel. Tem coisa escrita de cabeça pra baixo, de traz para frente, em todas as direções e nos rodapés. Daqui a pouco estarei a escrever pelo meu corpo, nas mãos, braços, rosto... Olhei agora a pouco no espelho e vi o cansaço em mim.

- “Queria tanto ajudá-lo” – disse minha imagem refletida no espelho e continuou “mas estou aqui dentro, num silêncio inesgotável”

- “Deve ser triste aí dentro” – comentei

- “Durante o dia você nada diz... mas se penteia, escova os dentes, faz caretas, procura defeitos, tenta corrigi-los, às vezes desiste, às vezes volta com cremes e máscaras, às vezes arrumado, outras vezes nu, se olha inteiro... Às vezes fixa tanto o olhar, como se fosse dizer algo... Mas só agora você...” – Confessou a imagem fazendo uma pergunta “Está sem companhia?”

Eu balancei a cabeça respondendo que “sim”, e após uns segundos, passei a mão no rosto e toquei o espelho. “Seus dedos estão úmidos”- comentou a imagem.

- “Deve ser o suor das minhas mãos” – disfarcei e interrompi a conversa sem deixar alguma palavra de despedida, afinal se essa insônia não passar, mais tarde estarei de volta, pois um novo dia começou, mas pra mim, é o mesmo trivial dia com a mesma pergunta “Hoje começo a nova vida?!”.