sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O Seu Olhar

Por Jefferson Acácio


Te vejo despojado debaixo desse teto
E contemplando a luz que visita-o pela greta da janela
Te vejo andando descalço na rocha pôlida do banheiro
Sob a cascata do chuveiro
E lá fora as nuvens derramam lágrimas no asfalto
Te vejo deitado o dia inteiro revirando o corpo pra lua
Que reflete no oceano formando um véu encantado que você só conhece pela TV.
Pode-se também escolher uma grama macia, uma rede sob uma árvore ao entardecer
Te vejo tão pouco que quase ninguém saberá de ti
Se acaso vives ou se acaso finges viver
Se o seu entorno é somente concreto, cimento e gesso
Ou se há a distração das vistas em overdose de imagem
Se acaso vives, deixe pistas...
Rabisque o que sabe do mundo...o que conhece de você mesmo diante do outro.
Esse mundo resumido que conheces através da janela virtual
Ainda tem o tato, ainda pode em tudo tocar
Ainda pode derrubar esse teto e o céu explorar
Você ainda é o tal que vive o seu próprio olhar

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Quando te escondes

Por Jefferson Acácio




Por mais que as tuas cartas eu devolva
Estou vuneravelmente envolvido
Como uma música esquecida pelo tempo
Que surge inesperadamente para re-expressar
Da mesma forma que antes sentiamos
A sensação transcorre os espaços vagos que dividiamos
E como um exército invade os territórios da memória
E como uma doce luxúria fingida o agradável se re-estabelece
Domina minhas nações
Converte minha noção
Desarma minhas células
Amolece meu corpo de vã esperas
E quando vejo, estou de volta à janela
Admirando tenazmente a natureza com um olhar vistoso
O som do vento enobrece as estruturas de uma ruína
Preenchida de uma luz irradiante de perfeito astral
E as paredes antes caídas e envelhecidas de rancor
Tijolo por tijolo alicerça uma paixão antiga
Mas num estralar de dedos, a música acaba
E abandona toda a lembrança inevitável
De como foi majestoso sentir você
E de como é ainda mais magnifico
Quando se escondes na saudade

Santa Chuva

Por Jefferson Acácio

Vi por aqui passar uma grande tempestade
Começou com jorros de alegria
Num belo dia nublado de outono
Em pouco tempo, a terra já não se agüentava
De alegria se fazia também tristeza
Assim como os belos dias de amor
Até que o tempo comece a destruir tudo
É assim, irreversível mudança climática
Cada dia santa chuva aqui rendia

O teto então rompia
E rompia também o que por uns se prometia
O chão molhado de amor, jaz fonte de lágrimas se fazia
Como um dilúvio, tudo foi carregado, rua abaixo.
Até mesmo as boas memórias são arrastadas
O medo de outra tempestade é o que resta
Tende piedade, tende piedade da minha alma
Que não quero vê-la banhada outra vez desta santa chuva.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Silêncio Mundo

Por Jefferson Acácio






O mundo é poeticamente correto
Tudo o que há de bom e ruim
Cabe em qualquer obra artística
Seja alegria ou tristeza
Cai bem numa poesia

Mundo barulhento, orquestra sem fim
Há quem diz que vai acabar um dia
Não acredito que se acabe sem finalizar uma obra equilibrada
Acho que é só um ensaio com músicos pra todo lado
Cada canto produzindo um som desigual

São tantos talentos por aí desperdiçados
Uns trazendo dramas, outros piadas
Esse mundo abençoado está do lado contrário
Até hoje não explicou de qual princípio surgiu
E ainda tormenta tantos filhos bastardos

Ô mundo sem jeito, que não respeita nem a liberdade
Pra tudo criou uma prisão, pra todos terem um pouco de ocupação
Tentando se resolver de alguma forma a própria equação
Se medindo na vida, enquanto a morte os espreita.

Mundo, onde está a educação? De onde virá a paz?
Cadê para aquele moço lá na calçada a segurança e o lar?
Cadê pra mim, a felicidade e as mil maravilhas prometidas?
A verdade, mundo... Na verdade, cadê nosso mundo?

Mundo faz assim ó...
Pára só um pouquinho o ensaio dessa orquestra.
Afina esses instrumentos, dê um jeito nesse coro desorganizado
Mas faz isso logo! Faz silêncio mundo!

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

* Belo, Coincidência, Testosterona

Por Jefferson Acácio


Eu estava no meu caminho do trabalho para casa. Vim caminhando como de costume, pois são apenas algumas léguas que economizam o transporte para tomar uma cerveja no fim de semana. Poucos dias antecediam a semana santa, e eu já estava em clima de omissão dos pecados. Não ria de mim, não faço isso por maldade intencional, mas realmente prefiro omitir, pois é tanto pecado que uma semana me deixaria em dividas. Foi logo no cruzamento da Avenida Memorial com o Largo da Mariquita, que tombei num rapaz. Não foi nada proposital, asseguro que da minha parte não foi, pois eu andava descontraído com meus pensamentos. Tenho esse hábito de conversar sozinho pela rua.

Ao passar pelo rapaz, acho que suspirei de cansaço, e disse em voz baixa "Só me falta uma cama agora". Para ser mais preciso, eu fitei a presença do garoto que parecia estar também distraído, quando cruzou ao meu lado muito lentamente. Nesse mesmo momento que suspirei, e disse a tal frase, em segundos olhamos ao mesmo tempo para trás. Ele desculpou-se pelo pequeno e quase despercebido esbarrão. Nesse instante, observei-o e pensei em voz alta "é belo". O rapaz voltou-se e chamou-me dizendo "Me conhece?". Parei envergonhado, e sem respostas, com expressão de quem não ouviu a pergunta. Ele aproximou e refez "Disse que sou Belo. Como sabe meu nome?". Eu ri da situação, e realmente “não sabia seu nome, apenas pensei alto e surtiu a coincidência”, respondi-o. Suei frio, mas logo me subiu um calor.

Ele já movia o corpo pra continuar sua caminhada, quando compreendeu o elogio e voltou-se "E o que disse antes da coincidência?". Já estávamos reféns da circunstância, e no clima de uma paquera. Poeticamente, eu diria que estávamos reféns do destino. Repeti meu comentário, dessa vez intencionalmente semeei o apetite pelo belo com um olhar incisivo e compenetrado, articulando as palavras: "Só me falta uma cama agora", disse a frase com um meio-sorriso sádico.

“Safado”. Pode jogar na minha cara. Nem precisasse, ele mesmo o fez. Eu ri dissimuladamente pelo elogio retribuído e apontei o caminho para minha casa, mas a dele estava mais próxima. “Coincidência”, dissemos juntos. Ele envermelhou-se. Licença para uma narrativa poética, deliciada de figuras de palavras. Nossa! Só em pensar dá água na boca. Refiro-me à narrativa poética da nossa foda.

Sou um cuidadoso fazendeiro, e costumo arar muito bem a terra, deixar regada e macia. Corro todo o pasto molhando-o lentamente, apalpando o chão molhado. A textura estava muito boa, justamente como presumia baseado na minha experiência. Realmente farta terra! Um belo solo que fiz questão de sentir com todo o meu corpo, numa interação entre a carne e o barro. Adoro essa natureza! Como foi bela essa mistura de mim com a terra, que logo eu já fazia parte do ecossistema, criando raízes e entregando-me ao esquecimento do tempo. Enterrei um pedaço de pau. Procedimento de fazendeiro antes de cavar o fértil solo e plantar a semente. Sinceramente, eu já não sabia se era eu o fazendeiro ou eu era a terra tamanha interação. Um poder tremendo se manifestava entre nós. Testosterona e fertilizante aliados ao bom adubo afastavam todas as pragas e joios ao redor da fazenda Marquês.

"Belo, as nádegas"... Ele não se esquecia das boas palmadas, pois gostava da reação do meu contrair e dos gemidos. Ele enterrou toda a vergonha na cova, enquanto eu enterrava a minha no travesseiro. Quando entramos pra sua casa, ele gaguejava que estava curioso de saber como essas coisas acontecem. Curioso como ele gostou tão rapidamente das ‘coisas’. Como um iniciante em montaria, que, em segundos, toma as rédeas e sai cavalgando como um belo cavalheiro. “Você é aplicado e aprende rápido” – Comentei percebendo o short estufado. ‘Curioso’

Papeamos no sofá, pouco falatório, eu falava vinho e ele respondia vodka. Rasgamos nossas embalagens, nossos rótulos no percurso do sofá até cama. Minto, antes passamos pela cozinha acho que pra tomar mais um gole de cana. Logo ele exercia o poder fálico e nada falamos desde então. Nada decifrável e traduzível. Apenas monossílabo e expressões de linguagem coloquial, interjeições no intransitivo direto "Vai! Mete! Ah! É isso! Humm! Vem! Mais! Caralho!"...

O tempo arruína tudo, já era metade da madrugada, e dormir era necessário!