Por Jefferson Acácio
É um engano acreditar que as madrugas foram feitas para o silêncio e para o sono. A madrugada é para os oprimidos. Durante o dia é um congestionamento de pessoas e automóveis, uma poluição de sons de todas as origens. E tudo se expressa e faz ruído ao mesmo tempo, competindo até mesmo com o nosso próprio pensamento. Então chega finalmente a madrugada e... Preste bem atenção... Lá fora...
Uma sacola dançando na pista da Rua dos Aflitos. A sacola plástica é carregada pelo vento que bate nas janelas e portas convidando para assistir ao espetáculo. O vento agressivo parece não ter força para atirar longe a sacola que voa levemente e dança sozinha um ballet clássico no asfalto, na calçada e arrastando-se de baixo para cima, de cima para baixo nas paredes das casas do bairro.
As janelas de vidros sambando frouxas, e as portas rangendo com os sopros frios e juntas emprestam um ritmo incessante de suspense ao vôo da sacola. Tudo parece um delírio, mas é uma grande orquestra. A cadência contínua é incrementada com o remexer de plásticos, garrafas e latas. O ruído produzido parece ser de algum rato revirando os lixos domésticos. Ou talvez um rato vestido de trapos, coitados, eles buscam os nossos desperdícios. E dentro de casa, os ratos fazem uma festa particular, e correm maratonas nos quatro cantos, atrás e em cima do guarda roupa e na cozinha. Nada roubam, apenas esticam as patas, uma exima liberdade
Todos instintivamente querem se comunicar e eu querendo dormir. Enquanto eu me queixo da insônia prejudicial a minha mente, ouço barulhos de alguma festa que provavelmente encerrará com o nascer do dia. Num momento estou coberto dos pés a cabeça, depois estou girando na cama, sem cobertor, então me levanto, ando pelas dependências da casa escura, o chão e as paredes geladas. Insights, murmúrios, sussurros duvidosos do apartamento ao lado. Se eu atravessasse as paredes... Se eu flutuasse como a sacola lá fora... Tenho certeza que escreveria sobre tantas coisas que não vemos a essa hora.
Um gole de vinho e volto para o quarto com um copo d’água, sento-me na beira da cama, e olhando as horas, o relógio marcando 2h, repito comigo mesmo “O que estou fazendo a essa hora? Meu Deus, por que não dormi ainda? Esse sono que não chega... E tudo ainda se move, o dia não se esgota, tudo ainda se agita! A noite não dorme, eu não durmo, a noite passa e eu continuo”.
De onde vem esse sono que ainda não chegou? Em que estrada ele anda? Todos os dias se perde no caminho e só chega pela manhã me derrubando de vez. Meu Deus, se acaso ouves meus pensamentos, Tu que também não dormes, com o barulho de todos os planetas juntos, Senhor... Silencie tudo, silencie meus pensamentos, eu lhe peço. Já estou sufocando a caneta contra o papel em branco para fazê-la confessar até o último jato de tinta sobre tudo o que vejo, ouço e penso que parece não ter fim. Isso não é para mim. Não vivo somente para escrever, eu preciso de outros meios de sobreviver.
E o que faz o sol que demora tanto a chegar? Nos esqueceu visitando outras terras e nos deixou aqui sob a companhia da lua? Ela, a única que não diz nada, nem emite luz própria, mas fica de lá influenciando as marés e o cântico das matilhas. E esse pássaro da noite, que tanto grita? Coitado, também não consegue dormir.
Há outros escritores com insônia? Transiente, intermitente ou crônica, em qual estado estaria a minha? Essa agonia, essa angústia, esse estresse inconivente, essa ansiosidade desnecessária e essa expectativa à toa. Da vontade de cuspir tudo, porque parece estar tudo na própria garganta, ou no pulso ou no peito. E um gole d´água às 3h, mas eu gostaria mesmo era de mergulhar no silêncio aprisionado desse copo.
Já rabisquei tanto que não sei a ordem dos escritos no papel. Tem coisa escrita de cabeça pra baixo, de traz para frente, em todas as direções e nos rodapés. Daqui a pouco estarei a escrever pelo meu corpo, nas mãos, braços, rosto... Olhei agora a pouco no espelho e vi o cansaço em mim.
- “Queria tanto ajudá-lo” – disse minha imagem refletida no espelho e continuou “mas estou aqui dentro, num silêncio inesgotável”
- “Deve ser triste aí dentro” – comentei
- “Durante o dia você nada diz... mas se penteia, escova os dentes, faz caretas, procura defeitos, tenta corrigi-los, às vezes desiste, às vezes volta com cremes e máscaras, às vezes arrumado, outras vezes nu, se olha inteiro... Às vezes fixa tanto o olhar, como se fosse dizer algo... Mas só agora você...” – Confessou a imagem fazendo uma pergunta “Está sem companhia?”
Eu balancei a cabeça respondendo que “sim”, e após uns segundos, passei a mão no rosto e toquei o espelho. “Seus dedos estão úmidos”- comentou a imagem.
- “Deve ser o suor das minhas mãos” – disfarcei e interrompi a conversa sem deixar alguma palavra de despedida, afinal se essa insônia não passar, mais tarde estarei de volta, pois um novo dia começou, mas pra mim, é o mesmo trivial dia com a mesma pergunta “Hoje começo a nova vida?!”.
SHOW!!!
ResponderExcluirCara, muito bom mesmo...
muito talentoso hein!
abraços cara
vc vai muito longe!
Olá! Parabéns pelo blog! Mil beijus
ResponderExcluir@Quelccy
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